Estudantes de Araraquara se trancam em apartamento e adiam retorno do Rio de Janeiro: ‘nunca vai se apagar da minha cabeça’

Grupo estava na capital fluminense para participar do 22º Encontro Nacional do Campo de Públicas, que terminou justamente no dia dos confrontos

A Cidade ON/Milton Filho


Cinco estudantes do curso de Administração Pública da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, que estavam no Rio de Janeiro, precisaram se trancar em um apartamento e adiar o retorno da viagem por conta da Operação Contenção nos complexos do Alemão e da Penha, que ocorreu na última terça-feira (28) e deixou 121 mortos.

O grupo chegou à capital fluminense no sábado (25) para participar do 22º Encontro Nacional do Campo de Públicas, dedicado a debates sobre políticas públicas no Brasil. O evento terminou justamente no dia dos confrontos, com um tour dos participantes pela cidade.

A estudante Vitória Pereira, de 25 anos, contou que precisou adiar a volta para a casa em um dia por causa das saídas da cidade que estavam fechadas e da dificuldade em encontrar transportes, como ônibus e carros de aplicativo. O grupo só conseguiu embarcar na quarta-feira (29).

“Como o dia 28 estava reservado para turismo, fomos relativamente cedo para o centro da cidade e, quando chegamos, não demorou muito para começarmos a perceber uma movimentação muito grande de evacuação, até chegar um informe para todo mundo se abrigar e sair das ruas o mais rápido possível. Estava um clima muito estranho, todo mundo com muita pressa, os comércios fechando muito rápido, e o centro ficou completamente vazio', lembrou.

Vitória estava hospedada em um hotel ao lado do Complexo do Alemão, enquanto os demais integrantes do grupo ficaram na Ilha do Governador. Ela contou que, de maneira “impensada', tentou pegar o metrô e voltar para lá, mas não conseguiu por conta da quantidade de pessoas.

Segundo a estudante, o grupo conseguiu alugar um apartamento em uma zona considerada segura para se abrigar até o fim dos confrontos. “No fim das contas, foi bom que a gente não conseguiu voltar para o hotel, porque era, literalmente, ali que estavam acontecendo os confrontos, bem próximo, e correríamos mais riscos. Mesmo no centro da cidade, conseguimos ouvir muitos helicópteros', contou.

A estudante lembrou que, mesmo em segurança, o sentimento era de apreensão e preocupação com os estudantes de outras universidades que também participaram do evento e estavam hospedados próximos aos confrontos.

“Há relatos de amigos nossos que ficaram a noite inteira deitados no chão, sem fazer nada, com medo, porque estavam em um alojamento muito próximo dos conflitos. A gente passou o dia inteiro trancado no apartamento. O único momento em que saímos para comprar algo para comer foi ontem à tarde, antes de embarcar para voltar para Araraquara', relatou.

Ao fim da megaoperação policial, Vitória precisou voltar ao hotel onde estava hospedada para buscar sua bagagem. Segundo ela, a situação que presenciou no caminho “nunca vai se apagar da sua cabeça”. “O semblante das pessoas era de velório. Apesar de não ter vivido nem 1% do que as pessoas ali viveram, existe um sentimento de solidariedade e companheirismo com quem enfrenta isso quase cotidianamente', disse.

Mesmo após o medo, ela relatou que pretende voltar ao Rio de Janeiro futuramente e defendeu mais compromisso dos governantes com a população para pôr fim à divisão da cidade. “Enquanto, no dia 28, na zona sul do Rio de Janeiro, as pessoas corriam pela praia, aproveitavam o lazer, iam a bares e restaurantes, a vida não parava; na zona norte, acontecia um massacre com mais de 120 mortes', lamentou.

Nesse sentido, os organizadores do Encontro Nacional do Campo de Públicas emitiram uma nota destacando a necessidade de combater com seriedade os problemas sociais do Brasil.

A Operação Contenção, realizada pelas polícias fluminenses na terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha, é considerada a mais letal da história do país, com 121 mortos, incluindo quatro policiais civis e militares.

A ação, que envolveu 2,5 mil agentes, tinha como objetivo desarticular a facção criminosa Comando Vermelho e cumprir cerca de 100 mandados de prisão e 150 de busca e apreensão.

Além das mortes, 113 suspeitos foram presos, e 118 armas foram apreendidas, sendo 91 fuzis, 26 pistolas e um revólver, além de 14 artefatos explosivos e drogas.

O ex-prefeito de Araraquara e presidente nacional do PT, Edinho Silva, classificou como “desastrosa' a operação policial. Em suas redes sociais, afirmou que foi um “desastre para toda a população, inclusive para as forças de segurança, já que ao menos quatro policiais morreram'.

“O governador do Rio de Janeiro politizou essa tragédia e disse que não recebeu ajuda do governo federal. O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que todas as vezes que o estado pediu a Força Nacional foi atendido. A Polícia Federal realizou diversas operações para combater o crime organizado', declarou Edinho.

Já o vereador de Araraquara Coronel Prado (Novo) usou as redes sociais para defender a ação. Para o parlamentar, o crime organizado deve ser “combatido com rigor implacável'. 

“Como coronel da Polícia Militar, ao ver as imagens de guerra no Rio de Janeiro, reafirmo: o crime organizado deve ser combatido com rigor implacável. São atos de terrorismo contra a sociedade, que destroem famílias e comprometem a ordem pública', disse.


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